Da ação revisional da Lei nº 6.649/79 e as modificações trazidas pelas Leis nºs 8.157 e 8.178 de 1991

Artigo publicado no Boletim do Direito Imobiliário
Data: 2º Decêndio – Outubro de 1991 (pp. 10/14)
Autor: Waldir de Arruda Miranda Carneiro

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Versão em texto:

DA AÇÃO REVISIONAL DA LEI Nº 6.649/79 E AS MODIFICAÇÕES TRAZIDAS PELAS LEIS Nºs 8.157 E 8.178 DE 1991

Waldir de Arruda Miranda Carneiro

1 – NOÇÃO PRELIMINAR

A ação revisional de aluguel, na locação residencial, pode ser conceituada como sendo a ação disponível, tanto ao locador como ao locatário, para obter o ajustamento do preço da locação ao seu valor de mercado, mediante arbitramento judicial, sempre que transcorridos três anos do início do contrato ou do último acordo.

2 – DA INSTITUIÇÃO DO ALUGUEL PROVISÓRIO

Segundo a legislação atualmente em vigor, é atribuído, ao locador ou ao locatário, na ação revisional de aluguel, o direito de “pedir que o juiz, ao despachar a petição inicial e sem audiência do requerido, lhe arbitre, desde logo, à vista dos documentos indispensáveis à comprovação do valor locativo no mercado da situação do imóvel, o aluguel provisório” (art. 3º, “caput”, da Lei nº 8.157/91), que não poderá exceder 80% do valor indicado na exordial (§ 1º do art. 3º da mesma lei).

A instituição do aluguel provisório na ação revisional de aluguel, efetuada, precariamente pela Medida Provisória nº 227/90 e, finalmente, consagrada na Lei nº 8.157/91, representou, sem dúvida alguma, um grande avanço no sentido de reequilibrar as locações em curso, trazendo maiores esperanças de convalescença para o mercado locatício, ainda hoje em estado bastante lastimável.

Não foi outra, aliás, a excelente intenção que orientou a elaboração da norma, como bem se verifica na exposição de motivos da Medida Provisória nº 227/90, ao destacar que “a redução do prazo de revisão judicial e a possibilidade de uma rápida fixação, pelo juiz, de um aluguel provisório contribuirão, decisivamente, para aproximar, de forma gradual, os aluguéis aos preços de mercado, eliminando o acentuado descompasso, derivado sobretudo dos anteriores planos econômicos de governo”.

3 – DA IMPERATIVIDADE DO ARBITRAMENTO PROVISÓRIO E DO SEU LIMITE LEGAL

Ao se examinar tal medida, verifica-se, desde logo, que, uma vez apresentados, pelo autor, os documentos legalmente exigidos, o legislador não deixa ao magistrado, a possibilidade de, simplesmente, não arbitrar o aluguel provisório.

Ao conceder, ao locador ou locatário, o direito de pedir o arbitramento do aluguel in initio litis, a lei impôs ao juiz o dever de fixá-lo, a menos que seja caso de indeferimento da inicial, ou quando esta não estiver munida dos necessários documentos para a comprovação do valor locatício de mercado.

Embora o magistrado não possa deixar de arbitrar o aluguel provisório, tem ele liberdade para fixá-lo no quantum que entender mais acertado, desde que não ultrapasse
o limite legal de 80% do valor indicado na petição inicial.

4 – DOS DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DO VALOR DE MERCADO

Não obstante fazer alusão a “documentos indispensáveis à comprovação do valor locativo no mercado da situação do imóvel”, a Lei nº 8.157/91 não elencou quais documentos se enquadrariam nessa categoria.

Para a aferição do valor locativo de mercado, durante a instrução, o meio probatório mais adequado  é a perícia técnica. Entretanto, há várias outras provas1, mormente em caráter provisório, que podem informar a um Juízo acerca do valor locatício de mercado de certo imóvel, ou, pelo menos, fornecer elementos sobre o prédio,  propiciando a aferição do locativo. Por isso, para arbitramento de aluguel provisório, tem-se admitido a prova do aluguel de mercado através de documentos como pesquisas publicadas por periódicos; anúncios de imóveis semelhantes; avaliações feitas por corretores imobiliários credenciados; cópia do carnê do IPTU ou da certidão do registro do imóvel (a fim de comprovar suas dimensões); croquis; fotos; outros contratos de locação de imóveis similares; enfim, quaisquer elementos que possam levar ao valor do aluguel praticado no mercado, com destaque, é claro, para os laudos elaborados por peritos técnicos especializados.

5 – DA REVISÃO DO VALOR ARBITRADO PROVISORIAMENTE

Consoante permite o § 2º do art. 32 da Lei nº 8.157/91, quando houver fundado receio de lesão grave ou de difícil reparação, o valor do aluguel fixado provisoriamente poderá ser revisado pelo juiz, à vista das alegações e propostas oferecidas na resposta do requerido.

Não há dúvida que o comprometimento do orçamento familiar do locatário, muitas vezes levado a efeito por uma súbita majoração do aluguel de sua residência, pode produzir uma lesão grave e até mesmo de difícil reparação, especialmente naquelas famílias nas quais a sua receita é integralmente revertida para despesas consideradas, juridicamente, como alimentares2.

Não há, por exemplo, como recompor o dano experimentado por uma criança que tiver de perder um ano ou semestre escolar, por causa do não pagamento de algumas mensalidades, pagamentos esses impossibilitados ante a necessidade prioritária da familia de, para garantir sua habitação, fazer frente a um aluguel arbitrado, de modo eventualmente incorreto ou excessivo, em uma ação revisional de aluguel.

Entretanto, a verificação da possibilidade de ocorrer lesão grave ou de difícil reparação, depende de cada situação concreta. O importante aqui é ter, o legislador, tomado a cautela de incluir, no procedimento, esse salutar mecanismo de equilíbrio, disponível já na primeira manifestação do réu no processo, possibilitando a revisão do aluguel arbitrado provisoriamente.

6 – DA POSSIBILIDADE DE ARBITRAMENTO DE ALUGUEL PROVISÓRIO NAS AÇÕES REVISIONAIS EM ANDAMENTO, INCOADAS QUANDO VIGORAVA A REVISIONAL QÜINQÜENAL

Seria possível o pedido de arbitramento de aluguel provisório nas ações revisionais em andamento, propostas com fundamento na Lei nº 6.649/79?

A questão apresenta alguma controvérsia.

Há, de um lado, quem argumente que a solicitação de arbitramento de locativo provisório nas ações em curso, implicaria em alteração da causa de pedir e do pedido de tal ação, ficando sua possibilidade adstrita aos limites do art. 264 do CPC3.

Entretanto, antes de mais nada, convém verificar se, de fato, o requerimento de aluguel provisório constitui uma modificação do pedido ou da causa de pedir, ou não seria, simplesmente, uma mera antecipação procedimental do provimento final da ação revisional, antecipação essa agora possibilitada.

A resposta correta parece ser esta última. Realmente, na hipótese, não há direito material novo. O direito à revisão do  aluguel (de determinada locação) e a sua solicitação judicial continuam a ser a causa de pedir e o pedido da ação. O aluguel provisório é uma simples medida procedimental que visa dar maior eficácia e celeridade à ação de revisão.

Em matéria de direito adjetivo, como se sabe, a norma emergente atinge, de imediato, os processos em andamento, regulando os atos a serem praticados a partir da sua edição. Só não são alcançados pela norma nova aqueles atos já realizados conforme a tutela processual anterior.

Nem se diga, de outro lado, que o fato de a lei prever o arbitramento na ocasião do despacho inicial vincularia a fixação provisória a este momento processual. É evidente que, ao situar o arbitramento no primeiro despacho, o legislador quis, tão somente, evitar eventual demora na fixação do novo locativo. Longe de poder ser considerado marco preclusivo do arbitramento provisório, é o despacho inicial, porém, o momento mais adequado, conforme as linhas mestras da lei, para a sua fixação.

Por essas razões é que se afigura perfeitamente possível o arbitramento de aluguéis provisórios no curso de ações em andamento, ainda não sentenciadas, desde que satisfeitos os requisitos legais para tal fixação.

Todavia, saliente-se que, nesses casos, o aluguel provisoriamente arbitrado só poderá ser exigido a partir da intimação da sua fixação, sem retroagir à data da propositura da ação ou da citação.

Demais disso, considerando-se que o locador estivesse impedido de pretender aluguel provisório na ação em curso, restaria a ele, ainda, a possibilidade de desistir da ação e propor outra com fundamento na nova norma.

Assim, na pior das hipóteses, os princípios da economia,  e da celeridade processual, aconselhariam permitir-se a fixação de aluguel provisório no curso de ações em andamento, mesmo porque quem pode o mais pode o menos.

7 – DA REDUÇÃO DO PRAZO DA AÇÃO REVISIONAL PARA TRÊS ANOS

A redução do prazo para aquisição do direito à ação revisional  foi, por certo, uma das mais felizes inovações trazidas pelas novas normas.

Em face dessa redução, poder-se-ia questionar se a contagem dos três anos para a nova ação abrangeria o período anterior à sua instituição.

A resposta há de ser afirmativa. O decurso do triênio locatício é uma situação que constitui a hipótese de incidência da norma que concede a nova revisional. Tal situação pode, evidentemente, ser encontrada no momento da edição da norma emergente, havendo nesse caso, direito à revisão. Este é apenas uma conseqüência jurídica para uma hipótese prevista na lei, que pode ou não se apresentar em cada caso concreto.

A norma em vigor prevê a aquisição do direito à revisão, pelo locador ou locatário, a cada três anos contados do último acordo ou do início do contrato. Não estabelece, a lei, que os três anos devam ser contados a partir da edição da norma. Diz, apenas, que haverá aquisição do direito à revisão sempre que transcorridos três anos contados do início do contrato ou do último acordo, e, como se sabe, ubi lex non distiguit, nec interpres distinguere debet.

Ademais, nos direitos de aquisição sucessiva (que se obtém através do decurso de certo tempo) – como é o caso do direito à revisão judicial do aluguel – aproveita-se o lapso temporal já decorrido na vigência da lei antiga.

O punctum pruriens da questão já foi objeto de exame pretoriano por ocasião da edição da Lei nº 6.649/79, que contemplava a ação revisional de cinco anos. Nessa oportunidade,
assim decidiu a 3ª Câm. do 2º TACSP: “Não é certo que ações revisionais somente possam vir a ser propostas após cinco anos de vigência da lei de locações. O legislador condicionou o exercício do direito ao só superamento do lapso contado do contrato ou do acordo de atualização”5.

Como se vê, uma vez encontrada a hipótese contemplada na norma, ocorre a sua incidência instantânea que, nesse caso, não implica em retroatividade, mas pura eficácia
imediata (caput do art. 6º da LICC), não desrespeitando, no mais das vezes, quaisquer direitos eventualmente adquiridos pelo locatário.

Entretanto, é importante ressaltar que quando o pacto locatício estiver em curso por prazo determinado, o inquilino residencial só será obrigado  – pelo seu contrato (que inclui a lei sob a qual foi elaborado)  – a se sujeitar à revisão qüinqüenal do aluguel da sua locação.

De fato, nessas condições, não pode o locatário ser compelido a se sujeitar a outra revisional que não aquela que decorra da lei do tempo no qual seu contrato foi aperfeiçoado (direito negativo)7.

Nesse caso, não se trata de mera expectativa de direito (fato aquisitivo incompleto), mas sim de verdadeiro direito adquirido. O contrato foi aperfeiçoado sob a égide de certa norma e, assim sendo, ambos os contratantes têm o direito de vê-lo ser executado até o seu termo final, conforme a norma do tempo de sua celebração.

Se um inquilino contratou sua locação, ainda em curso por prazo determinado, sob a égide de certa lei, o locador não pode pretender que tal locação seja regida por outra lei, até que se escoe todo o prazo avençado no contrato.

Entretanto, terminado o prazo inicialmente avençado, pode o locador, de pronto, incoar a nova ação revisional, eis que a partir desse momento a locação passa a ser regida pela lei atual que, conquanto prorrogue a duração da relação jurídica, modifica algumas das suas regras (Art. 4º caput da Lei nº 6.649/79), introduzindo, dentre outras coisas, a nova revisional.

8 – DA AQUISIÇÃO DO DIREITO À REVISÃO

O direito à revisão judicial do aluguel é adquirido pelos contratantes com a passagem do triênio locatício, e não na ocasião da contratação da locação. Nesse momento o direito à revisão só existe na norma, é uma mera faculdade jurídica, tendo, os contratantes, quando muito, uma expectativa de direito. Somente após a passagem do aludido período trienal é que o direito à revisão se integra ao domínio subjetivo dos contratantes, não podendo, então, ser alcançado por qualquer lei posterior.

Observe-se que a manutenção da titularidade de tal direito não depende da sua utilização. Uma vez adquirido, o titular do direito à revisão não o perde, por, simplesmente, não o ter exercido antes de uma modificação legislativa.

A questão, aliás, foi bem examinada por ocasião da edição do Decreto-lei nº 2.284/86 (Plano Cruzado), que pretendeu, dentre outras coisas, congelar, indistintamente, os aluguéis residenciais até 28.02.87. Na época, aqueles locadores que já possuíam direito à revisão dos seus aluguéis (passado o lustro) e quiseram exercê-lo durante o congelamento – tivessem, ou não, ação proposta – puderam obter a atualização dos seus locativos mediante revisão judicial.

Com efeito, não foram poucos os julgados entendendo que “o direito à revisão de aluguéis conferido pelo art. 49, §§ 4º e 5º, da Lei nº 6.649/79, passa a existir no momento em que se completa o lapso temporal de cinco anos, contados do último acordo ou, na falta deste, do início do contrato. Ocorrendo tal fato, o direito passa a integrar o patrimônio do locador, não podendo ser atingido pela lei nova, sob pena de violação de preceito constitucional”8.

Sabiam, os que assim decidiram, que interpretar a questão de modo diverso implicaria em perpetrar grave e irremediável ofensa à ordem jurídica. Ademais, não se deve esquecer – como observa HUMBERTO THEODORO JÚNIOR – que “as ações judiciais se apresentam, para o plano do direito intertemporal, como conseqüências do direito material da parte.

“Assim, se à parte assiste o direito material, já constituído por fato idôneo segundo a lei do tempo de sua consumação, não pode uma lei superveniente retirar-lhe a ação respectiva, sob pena de negar-lhe o – próprio direito substancial e violar a garantia da tutela jurisdicional do due process of law9.

9 – DO AFASTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO DA APELAÇÃO INTERPOSTA EM AÇÃO REVISIONAL

Em regra, a apelação é sempre recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, havendo casos, porém, nos quais a eficácia desse recurso é simplesmente devolutiva (art. 520 do CPC). Em tais hipóteses, pode o apelado promover, desde logo, a execução provisória da sentença, extraindo a respectiva carta (art. 521 do CPC).

A apelação da sentença que decide ação revisional de aluguel não era exceção à regra do duplo efeito até o advento da Medida Provisória nº 227/90, suas posteriores reedições, e, finalmente, a consagração da eficácia simples com a Lei nº 8.157/91 (§ 3º do art. 3º).

Tal característica abrange os processos em curso, por se tratar de norma processual que, como se sabe, tem aplicação imediata, não alcançando, apenas, os atos já praticados sob a égide da norma anterior (tempus regit actum).

10 – DA LEGITIMAÇÃO ATIVA DO LOCATÁRIO

Antes das recentes modificações na legislação relativa à locação residencial, somente o locador podia propor ação revisional de aluguel (art. 49, § 4º da Lei nº 6.649/79). Atualmente, porém, o locatário pode ocupar o pólo ativo da referida ação por força do que dispõem o caput do art. 3º da Lei 8.157, de 03 de janeiro de 1991 e o § 1º do art. 17 da Lei nº 8.178, de 1º de março de 1991, que vieram a confirmar, em lei ordinária, o que desde a Medida Provisória nº 227/90, vinha sendo precariamente estabelecido.

11 – DO PAGAMENTO DAS DIFERENÇAS DOS ALUGUÉIS

O aluguel provisório, fixado ab initio pelo juiz, vigora até a sentença, consoante determina o parágrafo 1º do art. 3º da Lei nº 8.157/91. O novo quantum então fixado na sentença tem efeito retroativo, e as diferenças entre o valor arbitrado nesta e os pagos pelo inquilino no curso da demanda devem ser pagas pelo locatário ao locador, ou reembolsadas por este àquele, conforme o caso, com a devida correção monetária, na forma fixada na sentença (em até seis parcelas), conforme o que determina o art. 53 § 3º da Lei nº 6.649/79, que embora aluda apenas ao locador, em face das novas disposições, deve ser aplicado, por analogia, aos casos em que o locatário for o credor das diferenças.

12 – DA POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DA PERIODICIDADE DOS REAJUSTAMENTOS

Muito embora, pela literalidade da lei, o objeto da ação revisional se limite à atualização do valor do aluguel, os nossos tribunais, com muito acerto, parecem estar inclinados a admitir nessas ações não apenas a modificação do locativo, mas também a da periodicidade dos seus reajustamentos.

Nos dias de hoje, com a elevada inflação que tem assolado a economia do nosso país, não se pode deixar de ver que o preço de uma locação (aluguel) varia de acordo com a periodicidade na qual ele será reajustado. De fato, a periodicidade dos reajustamentos, em períodos de instabilidade econômica, é determinante direto do valor do aluguel no mercado, não sendo possível falar em aluguel sem que seja necessário saber qual a periodicidade do seu reajustamento.

Tanto é assim, que, muitas vezes, para evitar o pagamento de um aluguel muito alto, os próprios inquilinos preferem reajustá-lo em prazos mais curtos.

Ante o objetivo da ação revisional, que outro não é senão o de trazer o preço da locação à realidade do mercado, é bastante sensata a adaptação da periodicidade do contrato àquela praticada no mercado, nas épocas de revisão, sempre que apresentarem diferenças entre si.

A confirmar a referida tendência nas revisionais da Lei nº 6.649/79, a 8ª Câm. do 2º TACSP decidiu, recentemente, que “os níveis da atual inflação não permitem a adoção da tese da imutabilidade dos contratos. A manutenção dos reajustes anuais não torna a a revisão completa, pois a periodicidade é fator preponderante no significado do próprio valor do aluguel. Se os locatários se socorrem da força obrigatória do contrato, resumida no velho brocardo pacta sunt servanda, há em favor dos locadores a regra rebus sic stantibus para alterar ou resolver a obrigação excessivamente onerosa, especialmente nos contratos de execução continuada, de prestações periódicas, como é o caso das locações, alcançadas, inexoravelmente, pelas alterações econômicas”11.

13 – DA POSSIBILIDADE JURÍDICA NÃO OBSTANTE A EXISTÊNCIA DE ACORDOS NO TRIÊNIO

Conforme dispõe a atual Lei nº 8.178, de 1º de março de 1991, nas locações residenciais, o direito à revisão do aluguel pode ser exercido tanto pelo locador como pelo locatário, após três anos do início do contrato ou do último acordo.

Outra questão que causou bastante discussão na antiga revisional qüinqüenal é a que cogitava acerca da interrupção de tal prazo, em razão da ocorrência, no período, de algum acordo majorativo dos aluguéis.

Carecendo de uma precisa explicitação legal sobre quais acordos seriam interruptivos do prazo de aquisição do direito à ação revisional, a jurisprudência, após exaustivo exame do assunto e destacada controvérsia, pareceu  firmar posição no sentido de entender como idôneo a interromper o dito prazo apenas os acordos que tenham trazido o aluguel aos níveis de mercado12.

Recente decisão da 7ª Câm. do 2º TACSP, nos dá, em ementa, uma clara noção de tal orientação: “O acordo obstativo da revisional é o que eleva o aluguel ao preço do mercado, onde as partes atuam animadas pelo espírito de novar a obrigação defasada por renda compatível com a realidade, sendo irrelevantes os aumentos acima dos índices oficiais, que apenas contemporizam situações efêmeras, logo dissipadas pela inflação, onde interferência governamental responsável pelos índices penaliza com mais intensidade os locadores”13.

Embora a atual lei tenha reduzido o prazo da ação revisional para três anos, tudo leva a crer que essa sensata orientação pretoriana irá permanecer inalterada. De fato, não é razoável conferir a qualquer acordo que não alcance a finalidade da ação revisional (de atualizar o aluguel), o condão de impedir o processamento desta.

14 – DA SUCUMBÊNCIA

Enquanto, numa ação revisional, as discussões se limitarem ao estabelecimento do novo aluguel, ou seja, qual deva ser o seu exato quantum (não se contestando o direito à revisão), a sucumbência é, em regra, considerada de ambos os litigantes, caso em que os honorários e despesas deverão ser recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles, conforme a regra do art. 21, caput, do CPC14.

Entretanto, quando “ficar estabelecido o locativo em valor próximo ao proposto pelo locador, através de laudo fundamentado, que se ateve a critério técnico, estando longe da contraproposta oferecida pelo locatário, é evidente que somente este há de arcar com os encargos da lide”15.

Não é outro o sentido do parágrafo único do art. 21 do CPC, segundo o qual “se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários”.

Haverá, igualmente, sucumbência de uma das partes quando o autor for julgado carecedor da ação, ou quando esta for julgada improcedente, o mesmo ocorrendo, de outro lado, quando o locatário não se limitar a discutir o valor do aluguel na contestação, opondo resistência ao direito do autor que vier a ser reconhecido, posteriormente, como legítimo. Nos dois primeiros casos o autor arcará com os honorários e despesas do processo, e, neste último, o locatário é que sucumbirá.


Notas

1 – “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa” (art. 332 do CPC).
2 – Observe-se, porém, que não basta a ocorrência de uma súbita majoração do locativo para justificar a redução do aluguel. A lesão grave ou de difícil reparação tem de ser não só material como também, e principalmente, de direito. Só pode ser reduzido o aluguel arbitrado em desconformidade com a lei, i. é, acima de 80% do valor de mercado.
3 – In verbis: “Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei. Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir
em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo”.
4 –  Observe-se que, não obstante o disposto no § 4° do art. 267 do CPC, não pode, o réu, “opor-se injustificadamente à desistência (RP 1/200, em. 42, 6/308, em. 61), mesmo porque
sua homologação implica na condenação do autor em honorários advocaticios (RT 502/131)”, como bem observa THEOTONIO NEGRAO, in CPC … , RT, 13ª ed., p. 122. De fato, ante a norma do art. 26, caput do CPC, que impõe o pagamento das despesas e da verba honorária àquele que desistir da ação, não resta, em princípio, qualquer prejuízo à parte contrária, que, por isso, não pode se opor à desistência.
5 – Ap. nº 152.673, j. 7.12.82, rel. ROBERTO GRASSI, pub. in JTACSP-SARAIVA 79/323. No mesmo sentido: JTACSP-SARAIVA 72/226.
6 – Celebrado à época em que a Lei nº 6.649/79 estabelecia a revisional de cinco anos.
7 – Repita-se: só durante o período de prazo determinado.
8 – AI nº 196.055-3, 2ª Câm. do 2º TACSP, j. 3.9.86, rel. BATISTA LOPES, pub. in RT 613/145. No mesmo sentido: RT 611/154 e 614/147.
9 – in Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, vol. 16, dez/87, pág. 17.
10 – Cfr. Manual de Direito Processual Civil, JOSÉ FREDERICO MARQUES, v. 1, 12ª ed., São Paulo, Saraiva, 1987, pp. 39/40.
11 – Ap. nº 243.466-6, j. 24.10.89, rel. CUNHA CINTRA, v.u., pub. in Bol. AASP nº 1.626/43.
12 – Cfr. RT 572/211, 631/178 e 643/144.
13 – Ap. nº 271.073-7,j.15.05.90, rel. DEMÓSTENES BRAGA, v.u., pub. in Bol. AASP nº 1.660/243.
14 – Cfr. RT 541/265 e 591/182.
15 – Ap. Sum. nº 195.513, 6ª  Câm. do 2º TACSP, j. 2.9.86, rel. SOARES LIMA, pub. in RT 614/147.

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