Restrição imposta pelos shoppings é inconstitucional

Artigo publicado no Boletim do Direito Imobiliário
Data: 1º Decêndio – Novembro de 1996 (p. 19)
Autor: Waldir de Arruda Miranda Carneiro

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1996-11-01_RestriçãoImpostaPelosShoppingsÉInconstitucional

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RESTRIÇÃO IMPOSTA PELOS SHOPPINGS É INCONSTITUCIONAL

Waldir de Arruda Miranda Carneiro (*)

As estipulações que costumam constar dos contratos de locação dos espaços comerciais em shopping centers são verdadeiramente uma coisa a parte do universo das locações prediais urbanas.

É de impressionar o surpreendente volume de ajustes de discutível legalidade que a criatividade humana tem sido capaz de agrupar numa única locação, a pretexto da excepcional circunstância que reveste tal relação jurídica.

Uma dessas questionáveis estipulações é a que proíbe o locatário de um shopping de abrir outro estabelecimento do mesmo ramo, dentro de uma certa distância do centro comercial (em geral dois quilômetros e meio), salvo expressa autorização do locador.
Transparente a ilicitude do exemplo apontado.

Na esfera constitucional tal cláusula fere, de pronto, um punhado de dispositivos relativos à proteção à livre iniciativa (art. 1º, IV, art. 3º, I; 5º XIII e XXII e 170, caput) e à livre concorrência  (art. 170, IV e § único; 173, § 4º).

Da mesma forma, emergem malferidos dispositivos infra-constitucionais, como os arts. 20 e 21 da Lei 8.884/94 (que dispõe sobre o abuso do poder econômico) a prescreverem como infração de ordem econômica os atos, de um modo geral, que limitem ou prejudiquem a livre concorrência ou a livre iniciativa, bem como que limitem ou impeçam o acesso de novas empresas ao mercado.

Diante das regras jurídicas que protegem a livre iniciativa (a possibilidade de agir em qualquer sentido sem influência externa, nem do Estado nem de terceiros) e a livre concorrência (liberdade de competição no mercado) difícil á atribuir legalidade a uma convenção que as limita. Mormente nos casos, como o em exame, onde se sabe qual ajuste só consta dos referidos contratos em razão do elevado poder econômico do locador (cujo abuso, as referidas normas tentam evitar).

Não esqueçamos, ainda, que a liberdade de iniciativa e concorrência são princípios que visam a prosperidade e o aprimoramento econômico da nação, sendo sua proteção não apenas legal, como também, moralmente justa.

Não bastasse isso, tais cláusulas costumam encerrar potestatividade pura, por deixarem seus efeitos ao exclusivo arbítrio do locador (ao excepcionarem a hipótese de autorização prévia deste), incorrendo na nulidade prescrita pelo artigo 115, segunda parte, do Código Civil.

A doutrina – como não poderia deixar de ser – rechaça de maneira veemente tal espécie de estipulação, como se pode observar do bem elaborado parecer do eminente professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Luiz Gastão Paes de Barros Leães, datado de 30.10.95, no qual o prestigioso comercialista examina detalhadamente a injuridicidade da referida cláusula.

Como se vê, por mais que se queira considerar “particular” a situação das locações de lojas em shopping centers (como muitos sustentam, até certo ponto com razão), não se pode, por conta disso, pretender que extravagantes estipulações que eventualmente constem de seus contratos gozem de “imunidade” com relação às normas legais de nosso País.

O papel aceita tudo. O direito, não.


(*) É advogado em São Paulo, autor do livro “Novo Repertório Jurisprudencial da Lei do Inquilinato”, dentre outros, e titular do escritório Arruda Miranda Advogados.

 

 

 

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