Ação renovatória: da soma dos prazos contratuais nos casos em que há interregno verbal

Artigo publicado no Boletim do Direito Imobiliário
Data: 3º Decêndio – Abril de 1991 (pp. 7/9)
Autor: Waldir de Arruda Miranda Carneiro

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AÇÃO RENOVATÓRIA: DA SOMA DOS PRAZOS CONTRATUAIS NOS CASOS EM QUE HÁ INTERREGNO VERBAL

Waldir de Arruda Miranda Carneiro

1  – A  questão da soma de prazos, após longa discussão doutrinária e  jurisprudencial, chegou a fazer escola nos tribunais pátrios (1), malgrado ainda seja possível encontrar um ou outro julgado em sentido contrário,  sustentando posição, hoje, já superada (2).

2 – Questão, porém, ainda muito debatida, é a da soma de prazos quando há interregnos verbais entre contratos escritos.

Nessa hipótese, parte da jurisprudência tem considerado como não preenchido os requisitos do art. 2º, “a” e “b” do Dec. n° 24.150/34, a exigir tempo determinado e prazo de cinco anos para o contrato a renovar (3).

Outra corrente, porém, aparentemente predominante, tem entendido que há preenchimento dos requisitos, quando o período de contrato verbal é relativamente pequeno em comparação com o prazo da locação. Para os que assim entendem, tal interstício é justificável em razão do tempo normalmente despendido nas tratativas necessárias à elaboração de outro documento contratual, ou, então,  por causa da fundada suspeita de que o lapso temporal teria sido provocado, intencionalmente, pelo locador, com o propósito de escapar às malhas da “Lei de Luvas” (4).

3 – De nossa parte, contudo, não vemos motivo para a não aceitação da “acessio temporis”, nos casos em que há interregno com contrato verbal, mesmo que por longo tempo.

Como é sabido, a locação é um contrato não solene, não dependendo, pois, de forma escrita para sua constituição.

A validade das declarações de vontade, no direito brasileiro, só depende de forma especial quando a lei a exigir expressamente, como enuncia o art. 129 do nosso Código Civil.

De outro lado, para que haja direito à renovação o Dec. nº 24.150/34 requer, no tocante ao contrato de locação, que este seja por tempo determinado (Art. 2º, “a”) e possua, no mínimo, cinco anos de prazo (Art. 2º, “b”), sem fazer qualquer menção quanto à necessidade de forma especial.

Assim sendo, se a natureza da avença locatícia admite a forma verbal e a lei especial não exige, em nenhum momento, a forma escrita, conclui-se que, para preencher os requisitos do Dec. nº 24.150/34, o contrato de locação não precisa, necessariamente, ser feito através de um escrito.

É verdade, não há dúvida, que muitos requisitos do direito à renovação só são comprováveis por documento.

Não obstante, é injustificável legalmente a exigência de um contrato escrito nos casos em que os referidos requisitos para a ação renovatória podem ser comprovados por outros documentos, ou mesmo, por outros meios (ver art. 136 do C.C.). A exigência de contrato escrito, em tais casos, mais parece uma repetição irrefletida de uma apressada interpretação.

De fato, a não ser para se fazer prova do prazo de cinco anos ou do seu termo final, não há qualquer necessidade de contrato escrito. Se atendidas essas informações através de outros documentos, é muito razoável a admissão de interregnos, e mesmo grandes lapsos temporais, sem avença escrita.

Como se vê, uma atenta análise demonstra claramente que a exigência legal de prazo de cinco anos, ou da sua determinação, não implica a necessidade de contrato escrito.

4 – Com efeito, não é por acaso, que alguns juízes, apesar da forte corrente em contrário, passaram a admitir a soma de prazos mesmo nos casos em que há longo interregno verbal, desde que se demonstre a continuidade do vínculo contratual durante os cinco anos exigidos pela lei,  e.g.:

–  “No que pertine à soma dos prazos das locações anteriores, esta passagem do v. aresto recorrido esclarece o debate: ‘No caso dos autos verifica-se que, entre o primeiro dos contratos, cujo prazo era de três anos, vencido em 1961, no qual já se fazia menção de que o prédio locado se destinava à manutenção e exploração do hotel e o segundo, o renovando, com o prazo de quatro anos, com vigência de 1.5.62, tangindo o mesmo prédio, com o mesmo fim que o anterior e do qual consta que a locação tem por fim a manutenção da exploração do hotel, e, sem que se possa afirmar que aquele interregno seja tido como interrupção da locação, temos que convir em que esse contrato sanciona a continuidade do primeiro e os prazos devem ser somados e, assim, a locação se distende por tempo muito superior a cinco anos, satisfazendo, inteiramente, o espírito e a exigência do art. 2º do Dec. 24.150/34.’

“Vê-se, pois, que a adição dos períodos anteriores é superior a cinco anos, em perfeita harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal apontada pela primeira recorrente.

“Diz ela, com efeito: ‘Realmente, o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 15.6.64, decidiu, unanimemente, que: Havendo continuidade na locação, o prazo anterior, ainda que por contrato verbal, soma-se ao do último contrato por escrito, para que o autor da ação renovatória complete os cinco anos exigidos’ (STF – RE 69.655 – MG – 2ª T. – j. 8.6.70 – rel. Min. Adalício Nogueira – v.u. – RTJ 54/498 – g.n.);

– “Se a locação comercial já se prolonga por vinte anos, embora renovada por períodos de quatro anos e com um interregno sem contrato escrito, mas com ocupação ininterrupta do imóvel pela locatária, somam-se os prazos de cada período para o fim da renovatória (ap. 8155 – 2ª Câm. – TAMG – j. 26.12.75 – rel. Jorge Fontana – m.v. – Julgados 4/162 – in “A Locação Comercial nos Tribunais”, SÉRGIO DA SILVA COUTO, Ed. Forense, 1982, Rio de Janeiro, pág. 74, julgado nº 171);

– “É possível a soma dos prazos para efeito da renovação, com interregno não coberto por contrato escrito, se constatada a continuidade do vínculo estabelecido entre as partes” (Ap. 8.088 – 1ª Câm. do TAMG – j. 18.2.76 – rel. Otogamis de Oliveira – v.u. – RT 508/236);

O Dec. 24.150/34, nunca exigiu seja por escrito o contrato de locação, e mesmo sem esse instrumento escrito pode haver locação por prazo determinado. A falta do escrito apenas dificultará provar-se o contrato, mas o escrito não é requisito para sujeitar-se o contrato ao Dec. 24.150/34.

“Ora, assim sendo, razão não há para restrição à soma dos prazos dos contratos escritos, só por ocorrer de permeio um lapso de locação verbal, como no caso dos autos.

“No caso presente houve duas locações por escrito antes e duas após, e no meio a locação ficou verbal por sete meses. Está claro ocorreu seqüência da vontade de prosseguir na locação, de molde a autorizar a soma dos prazos, e aplicar-se o Dec. 24.150/34 ao caso dos autos” (AP. 153.752 – 2º TACSP – 3ª Câm. – j. 8.3.83 – rel. Juiz Vieira Mota – v.u. – JTACSP 83/287 – g.n.);

– “O fato de, entre os dois contratos, haver um período de locação verbal não impede a soma dos prazos, para efeito da “acessio temporis” (AI nº 32.879 – TACRJ – 2ª Câm. Cível , m.v., j. 22.03.88, rel. Nilton Mondego de Carvalho Lima).

5 – Poder-se-ia, talvez, fazer-se objeção à soma de prazos heterogêneos (determinado e indeterminado, uma vez que a lei exige que a locação seja por tempo determinado (art. 2º “a” do Dec. nº 24.150/34).

O argumento, porém, não nos parece convincente. Se o último contrato escrito possuir prazo determinado, não haverá sentido em exigir-se que os anteriores sejam, obrigatoriamente, determinados. Como a locação (negócio jurídico) é uma só, o termo final também é um só. Vale dizer: o último prazo estipulado.

A determinação do prazo tem a finalidade de indicar o período durante o qual durará a locação, dando, com isso, o marco temporal para a propositura da ação renovatória (cfr. art. 4º do Dec. nº 24.150/34).

Nessa análise, não se pode deslembrar, que o Dec. nº 24.150/34 visa equilibrar os poderes dos contratantes através da proteção ao “fundo de comércio”, que, evidentemente, pode ser criado e mantido, pelo inquilino, quer os prazos anteriores sejam determinados ou não.

Como indagam JOÃO NASCIMENTO FRANCO e NISSKE GONDO (5), “não será perfeitamente justo que se adicionem esses prazos heterogêneos, mas contínuos, em favor do fundo de comércio, tanto mais que a forma escrita do contrato não é exigida de modo expresso pelo Dec. 24.150 ?”

Noutra ocasião (6), os festejados autores chegaram a observar que “impossível é a soma de prazo de contrato escrito a um contrato verbal posterior para totalização do qüinqüênio. Mas uma vez existindo anteriormente uma locação por tempo indeterminado, sem contrato escrito, sucedida por outra à base de um contrato escrito e por tempo determinado, não será de todo surpreendente que, em defesa dos interesses do fundo de comércio, afinal se inclinem nossos juízes pela soma desses prazos heterogêneos, mas de locações sucessivas e ininterruptas, a  última das quais pactuada formal e solenemente por um contrato escrito”.

De fato, ao que nos parece, “pouco importa que os contratos tenham períodos diversos; o que é preciso ver é a continuidade do vínculo estabelecido entre as partes. Havendo continuidade na locação, o prazo anterior soma-se ao do último contrato por escrito, para que o autor da ação renovatória complete os cinco anos exigidos”, como bem já foi decidido pelo Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul (7).

Só não é possível a soma dos períodos, quando o último prazo for indeterminado, mesmo que formalizado por escrito.


Notas:
1 – Cfr: RT 412/360, 532/272, 560/162 e 588/160;  RTJE 29/ 238.
2 – V.g. RT 402/306.
3 – Cfr. RT 285/706, 403/406, 442/229 e 622/153.
4 – Cfr. RT 159/808, 495/254, 532/272, 560/162 e 565/158; Bol. AASP 1.452/249.
5 – “Ação Renovatória e Ação Revisional de Aluguel”, 7ª  Ed. RT, São Paulo, pág. 102, num. 73.
6 – Cfr. AI 26.645 – 2º TARS – 2ª Cam. Cível – j. 24.11.81, v.u., rel. José Vellinho de Lacerda, pub. in “A Locação Comercial nos Tribunais”, SERGIO DA SILVA COUTO, Ed. Forense, 1982, Rio de Janeiro, pág. 71, julgado nº 163.
7 – JTARGS 14/385 e AI 26.645 – 2º TARS – 2ª Cam. Civel – j.24.11.81, v.u., rel. José Vellinho de Lacerda, pub. in “A Locação Comercial nos Tribunais”, SERGIO DA SILVA COUTO, Ed. Forense, 1982, Rio de Janeiro, pág. 71, julgado nº 163.


Waldir de Arruda Miranda Carneiro, é advogado pós graduado pela USP e especializado em Locação Predial.   

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